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Uma Aventura no Parque

Domingo:

O carro parou no estacionamento e a menina Kamille gritou:

– Tattoo! Chegamos!

Tattoo é um cachorro vira-lata, de pelo curto, preto, com algumas manchas brancas no
dorso e próximo aos olhos, parecendo tatuagens, daí seu nome: Tattoo. Muito bem, eles
haviam chegado… mas aonde? Ele tentava ver através das janelas do carro, mas não
conseguia ver muita coisa: apenas mais alguns carros parados, lado a lado, próximos a
uma cerca verde.

A mãe de Kamille desceu do carro e abriu a porta para a menina e o cachorro descerem.
Então, Tattoo viu um enorme espaço gramado onde poderia correr à vontade. Tentou
sair em disparada, mas estava preso a uma coleira. Kamille falou de forma carinhosa:

– Calma Tattoo!

Há muito tempo a menina dizia para ele que iria levá-lo a um lugar muito bonito, aonde
ele poderia correr sem se preocupar com os vários perigos existentes nas ruas: carros,
motos, bicicletas, caminhões… eram tantos que a mãe de Kamille dava somente um
pequeno passeio pela praça ao cair da tarde, mas agora estavam ali, no paraíso. O pai de
Kamille saiu em direção a umas grandes árvores e os chamou:

– Tatoo! Kamille! Vamos!

Foram andando lentamente, atravessando gramados, ruas tranqüilas, e passaram a
caminhar por uma grande alameda, ladeada por grandes árvores, até que chegaram a um
local que parecia ser o ideal para passarem um dia de festa. Era um pequeno gramado
com muitas árvores em volta e um lago de águas tranqüilas onde patos e gansos
nadavam à vontade. O pai de Kamille, então, tirou a coleira do pescoço de Tattoo e lhe
disse:

– Vai, Tatoo!

Tattoo, ao se ver sem a coleira, saiu em disparada em direção a colina do outro lado da
alameda. Ao chegar ao seu topo ficou maravilhado com o que viu. Lá embaixo, um
grande lago cheio de pedalinhos e muitas crianças soltando pipas, brincando com bolas
multicoloridas, correndo para lá e para cá numa algazarra contagiante. Tattoo desceu a
ladeira correndo e subiu outra colina e viu mais árvores e gramados imensos. Viu outros
cães, patos e gatos, muitos gatos, mas não parou para conversar, tamanha era sua excitação por conhecer cada canto daquele lugar, cada um com sua magia que apontava
sempre em direção a outros lugares mais e mais interessantes.

Longe de onde estava, lá, onde os pais de sua dona tinham ficado, o tempo havia
passado depressa. Já era hora do almoço e tinham que ir embora. Os pais de Kamille
recolheram o lixo do lanchinho que haviam tomado, separando o lixo de acordo com a
cor das latas para lixo reciclado: azul, para papéis e papelão; amarelo, para metais;
vermelho, para plásticos; verde, para vidros; e preta, para madeiras. Estavam com tudo
pronto para irem embora, só faltava Tattoo. Kamille começou a gritar pelo cão.

– Tattoo, Tattoo, vem cá cãozinho!

Apesar de todos os gritos, não conseguiam encontrar Tattoo. O cão havia se evaporado.
Outras crianças entraram na busca ao cachorro. Umas perguntavam com ele era, qual a
cor da coleira, se estava machucado, se era brabo, se não estranhava as pessoas. A todos
Kamille dizia que o seu cãozinho era muito amigo, gostava de crianças, era obediente e
adorava sair correndo atrás de uma bolinha de borracha, mas apesar de todos os esforços
Tattoo não foi encontrado e Kamille teve que ir embora do parque chorando a perda de
seu grande amigo.

Quando Tattoo decidiu voltar ao lugar onde deixara a menina Kamille, não sabia como
retornar. Todos os lugares lhe pareciam ser iguais, todas as menininhas de cabelo curto
e corpinho magrinho lhe pareciam ser a sua dona, mas não eram. Caminhando agora por
trás de um grande prédio viu um gramado que descia até uma estrada. O gramado estava
apinhado de crianças e adultos brincando de bola e soltando pipas. Do outro lado da rua
havia uma cerca onde ele viu vários animais que nunca tinha visto antes e uma deles lhe
chamou muita a atenção: era uma espécie de galinha cinza, muito alta e muito grande,
com o pescoço todo pelado. Continuou caminhando ao lado da cerca quando, ao dobrar
uma esquina, viu o lago e imediatamente identificou o lugar onde tinha visto sua dona
pela última vez. Correu em disparada até local, mas chegando lá não havia mais
ninguém. Sentia o cheiro da menina e de seus pais, mas não conseguia vê-los. Talvez
tivessem ido lhe procurar e o melhor que faria era ficar ali até que eles voltassem para
lhe pegar. O tempo foi passando, a fome apertando e nada deles voltarem… o parque foi
ficando cada vez mais vazio, o céu foi escurecendo e ele ficando cada vez mais sozinho.

E agora? O que iria fazer? Deveria ficar ali, esperando pela volta de seus donos ou
deveria ir procurá-los? Não, não poderia achá-los… tinham vindo de carro e demoraram
tanto que ele tinha a certeza de que estava muito longe de casa. Por outro lado, as ruas
estavam repletas de pessoas com tantos cheiros diferentes que seria quase impossível
encontrar o cheiro da menina e segui-lo. Não, deveria ficar ali e esperar… mas se ela não
voltasse antes de anoitecer? E se ele tivesse que ficar ali, sozinho… e se fizesse frio… e
sua fome, quem lhe daria comida e água? Como fora descuidado… distraíra-se e agora
estava em uma enrascada… e se a menina Kamille não viesse mais lhe procurar, como
iria fazer para sobreviver… teria que ficar morando naquele lugar ou seria melhor sair
em busca de outro lar?

Eram tantas as perguntas que assaltavam a cabeça de Tattoo que ele foi ficando muito
cansado e se deitou ao lado de uma árvore… depois de muito pensar tomou uma
decisão: não iria a lugar algum. Ficaria ali. A menina Kamille iria retornar para lhe
buscar. Ele esperaria o tempo que fosse necessário, chovesse ou fizesse sol, não
arredaria o pé daquele lugar. Tinha absoluta certeza de que sua dona não lhe
abandonaria… e assim pensando adormeceu.

Acordou com a noite escura, a barriga roncando de tanta fome e a garganta seca pela
sede. De onde estava podia ouvir urros de estranhos animais que pareciam ser ferozes.
A noite estava fria e ele se enroscou, tentando melhor se agasalhar para se proteger do
frio.

– Ih, tem sangue novo no parque!

Tattoo acordou assustado com aquele grito e rosnou para um gato malhado que estava
na sua frente sorrindo com jeito de malandro.

– Sai fora, gato! Eu sou ninja e estou em treinamento, eu sou um perigo para você. Sou
uma máquina de músculos fortes e já derrubei muito gato do telhado.

Com essas palavras Tattoo tentava meter medo no gato e procurava se proteger. Sempre
vira desenhos com Kamille e sonhava ser um herói como Bilú Bilú, um cachorro muito
esperto que vivia entre ninjas e sabia lutas marciais. Ele sempre ajudava seus donos a
resolverem grandes mistérios e no final da estória sempre ganhava um grande pedaço de
pizza. Agora era encarar esse gato estranho como um inimigo feroz e fazer valer todo o
treinamento que havia realizado com Bilú Bilú, quer dizer, visto no desenho do Bilú
Bilú.

O gato olhava tudo aquilo de forma muito divertida. Branco, com listras laranjas,
bigodes imensos e olhos de um azul profundo, ele balançava a cabeça pensando:

– Coitado do cãozinho, deixaram ele aqui e na primeira noite já ficou tantã.

O gato deu meia volta e se afastou indo se enroscar num tronco de árvore afastado do
local onde estava o cão. Tattoo voltou a se proteger do frio e adormeceu querendo
sonhar com a menina Kamille.

Segunda-feira:

– Booooom dia!

Ao ouvir aquele grito Tattoo deu um salto e começou a latir, procurando o autor daquela
brincadeira sem graça. Perto dali, o gato ria-se de perder o fôlego. Rolava no chão sobre
o próprio corpo e quanto mais o cão latia, mais ele gargalhava.

– Caraca! Há tempos eu não me divertia tanto!

– Seu gato sem graça, não tem nada para fazer, além de acordar os outros de forma tão
estúpida?

– Ih, foi mal meu camarada… aí, vamos começar de novo? Eu sou Bichano, o gato mais
charmoso do pedaço!

– E também o mais convencido…

– Que é isso meu chapa? Vamos lá, está um belo dia… veja esse sol, essas pessoas
correndo, se exercitando, sinta o perfume da manhã… não é uma maravilha?

– Só se for para você. Eu nunca dormi fora de casa, aliás eu moro em apartamento, ando
de elevador e sou muito querido pela minha dona.

– Sei, estou vendo…

O gato falava de modo irônico, andando em volta do cão.

– Quer parar de ficar dando voltas! Isso está me irritando…

– Ih meu chapa você se irrita à toa… já te falei que meu nome é Bichano? e o seu?

– Bichano? Mas que nome mais esquisito!

– Se é esquisito ou não, eu não me importo. É assim que as pessoas me chamam quando
vêm me dar comida. Antes de chegar aqui eu já tive outros nomes, mas confesso que
esse é o que me dá mais apetite, e você: como se chama?

– Meu nome é Tattoo.

– Cara, que nome mais esquisito…

– Ih vê só quem fala…

– Como é que você veio parar aqui?

– Vim passear com a minha dona e seus pais e me perdi deles…

– Isso acontece sempre com animais que não estão acostumados com as ruas. Presta
atenção: aqui sempre aparece alguém para nos dar comida e água. Às vezes vem ração
da boa, outras vezes é resto de comida dos humanos e aí pode pintar um osso para roer.
Eu gosto mais é quando vem sobra de peixe, é uma delícia! Olha lá, aquele velhinho de
chapéu de palha é um dos quem trazem comida. Vamos lá!

Nem bem completou a frase, Bichano saiu em disparada para o local onde o velhinho
colocava ração em um pratinho de plástico sobre o meio-fio, junto a um baciazinha com
água.

– Vamos lá, cara! É comida da boa.

Tattoo e Bichano encheram suas barrigas de ração e após beberem água se deitaram à
sombra de um imenso pé de jamelão. Bichano virou-se para Tattoo e perguntou:

– E então, você vai ficar por aqui ou vai sair em busca de outros ares?

– Vou ficar aqui e esperar minha dona vir me buscar. Tenho certeza de que ela está com
muitas saudades de mim… e eu dela.

– Olha só: eu não quero te desanimar, não, mas já vi muitos animais serem deixados
aqui para sempre. Se eu fosse você não contaria com esse retorno, não.

– Eu vou esperar aqui, pois tenho a certeza de que eles virão me buscar.
Tattoo fechou os olhos e adormeceu. Sonhou que estava correndo com Kamille na beira
da praia e que os dois rolavam abraçados pela areia.

Terça-feira:

A árvore onde Tattoo resolvera fazer seu acampamento ficava próxima a uma alameda
que era margeada por um canal onde os patos nadavam em busca de alimento e as
garças vinham ao final da tarde para pegar alguns peixinhos. Tattoo caminhava célere
pela alameda em direção ao local onde o velhinho diariamente deixava uma porção de
ração. Ao avistá-lo, Bichano correu em sua direção e, quando chegou perto, saudou-o,
dizendo:

– Olá, meu caro Tattoo! Como foi a noite passada?

Tattoo respondeu com cara de poucos amigos. Parecia estar chateado.

– Bem.

– Aí, meu irmão, você está aborrecido?

– O que é que você acha? Há duas noites que como mal, durmo mal e ainda tenho más
companhias, tá bom para você?

– He, he, he… liga não, camaradinha. A vida é mesmo assim. Você tem sorte de ainda
não ter sido comido por um leão… então, vai embora ou vai continuar esperando uma
menina que nunca irá voltar?

– Ela virá, tenho certeza.

– Olha só, que tal a gente ir tomar sol do outro lado da Alameda das Sapucaias?

– E onde fica isso?

– É aquela rua do portão principal que vai direto para o museu. Do outro lado tem um
vasto gramado onde a gente pode brincar à vontade.

– Tá legal, mas vamos primeiro comer.

Quarta-feira:

O dia amanheceu nublado. Durante a madrugada ventara bastante e fizera muito frio.
No meio da noite Tattoo acordara com dor na barriga. Tentara levantar-se, mas não
conseguira. Estava muito fraco. Durante o restante da noite, a dor na barriga só
aumentara e agora, com o dia claro, ele mal tinha ânimo para abrir os olhos. Bichano
dormira ali por perto e ao acordar foi falar com Tattoo. De longe, ao ver o cão todo
enrolado, achou muito estranho e ao chegar mais perto falou animado:

– E aí Tattoo, o sol já se levantou e você ainda enroscado nessa árvore? Vamos levantar
que a vida é curta meu amigo!

Tattoo tentou abrir os olhos, mas só consegui soltar um grunido.

– Ih, meu camaradinha, tu estás mal. Eu te falei para comer somente ração, nada mais…
e agora? Como é que vamos fazer?

Tattoo fez um enorme esforço para falar com Bichano:

– Tenho que ir ao veterinário.

– Veterinário!!! Tá maluco, meu camarada? Você não está no apartamento da
menininha, não! Você está perdido em um parque enorme tendo por companhia apenas
um gato, charmoso, bonito, elegante, mas um gato! Como vamos arrumar um
veterinário? Bem, vou dar uma volta por aí para ver se arrumo alguma coisa para você.

Dizendo isso, Bichano saiu caminhando lentamente em direção ao local onde as pessoas
deixavam comida para eles. Ia pensando na dificuldade que teria para levar para Tattoo
quando viu o velhinho e apressou as passadas para encontrá-lo.

– Ora, você está aí, meu amiguinho. Como passou a noite? Foi tudo bem? Cadê o seu
amigo malhado?

Bichano foi até o velhinho e voltou. Parou no meio do caminho e ficou esperando que
ele o seguisse. O velhinho ficou parado no mesmo lugar e ele foi novamente ao seu
encontro. Se enroscou em suas pernas e depois saiu andando, olhando para trás, pedindo
que o velhinho o seguisse.

– Ah, você está querendo que eu o siga? É isso, gatinho?

Bichano concordou com a cabeça e saiu andando na direção onde se encontrava Tattoo.
O velhinho o foi seguindo e quando viu Tattoo enroscado ao próprio corpo apressou o
passo. Chegando perto de Tattoo ajoelhou-se a seu lado e perguntou:

– O que está havendo meu camarada? Parece que você não está nada bem… vamos ver
essa língua… abra a boca para que eu veja como ela está… assim… isso… hum… parece
que a coisa é séria… fique aqui que vou buscar ajuda.

O velhinho foi saindo apressado, mas ao ver Bichano inquieto, como que a esperar por
um boa notícia, lhe falou:

– Bichano, você foi muito esperto ao pedir ajuda para seu amigo. Vou procurar quem
possa ajudá-lo de verdade, pois não sou veterinário, e já volto. Fique aqui de olho nele.
Dito isto, ele saiu apressado para os lados do zoológico. Bichano se aproximou de
Tattou e lhe falou:

– Tatoo, meu camaradinha, fique firme aí que esse velhinho é muito legal e conhece
muita gente por aqui. Com certeza vai trazer ajuda e você vai ficar bom.
Com muito esforço Tattoo abriu os olhos e falou para Bichano:

– Obrigado, meu amigo.

O tempo ia passando muito rápido para Bichano e a demora do velhinho em voltar com
ajuda estava lhe angustiando. Ele dava voltas e mais voltas ao redor de Tattoo e ficava
cada vez mais apreensivo. Nisso ele escutou o barulho de passos se aproximando e se
voltou em sua direção. Era o velhinho que vinha voltando e trazia consigo um casal de
pessoas. Quando chegaram perto o velhinho lhes falou:

– Ali está ele!

O rapaz, ao chegar perto de Tattoo, prendeu-o com um laço que estava preso na ponta
de uma vara. Tattoo ficou imobilizado e não esboçou qualquer reação. A moça se
aproximou e começou a lhe examinar. Abriu seus olhos para ver as suas pupilas, abriu
sua boca para ver a sua língua, apalpou sua barriga, auscultou seu coração, passou a
mão por todo seu corpo a procura de parasitas e por fim falou:

– Os sintomas indicam que ele provavelmente comeu alguma coisa que não lhe fez bem.
Vamos aplicar-lhe um antibiótico e esperar a sua reação. É bom colocar água e comida
perto dele para que se hidrate e se alimente quando sentir sede e fome.

Após aplicarem a injeção em Tattoo, o casal de veterinários que trabalhava no zoológico
e o velhinho deixaram o cão e o gato descansando e foram embora. Durante a tarde e a
noite, Bichando não arredou o pé de perto de Tattoo. Como podia isso, Bichano se
perguntava, conheciam-se há tão pouco tempo e para ele Tattoo era como um velho
amigo.

Quinta-feira:

Tattoo acordou com uma brisa soprando seu pêlo. Levantou a cabeça e viu um outro cão
aproximando-se de sua ração. Não, ele não deixaria ninguém pegar sua comida. Ainda
estava fraco, mas se perdesse aquela comida teria que ficar com fome até que o velhinho
voltasse no final da tarde… e se ele não voltasse? Ao ter esse pensamento, Tattoo se
levantou e avançou sobre o outro cão, latindo e rosnando de forma ameaçadora. O outro
cão respondeu no mesmo tom. Latia e rosnava mostrando seus dentes afiados. Tattoo
não se intimidou e saltou sobre o outro cão que, ao ser atingido por Tattoo e perceber
que o outro era mais forte do que ele, bateu em retirada. Tattoo ficou latindo, vendo o
outro cão se afastar, para afugentá-lo ainda mais. Com o outro cão distante de sua
comida, Tattoo se aproximou da ração e começou a comer.

– Aha! Vejo que você já está em perfeito estado de saúde.

Bichano falava isso enquanto se aproximava de Tattoo.

– Que luta, meu amigo. Você é um cara assustador, forte e audaz. Podemos ganhar umas
lutas aqui no parque e pegar a comida dos outros bichos, que tal?

– Para que quero mais comida se já tenho o suficiente para mim?

– Então vamos lutar somente para que os outros saibam que nós somos os maiorais do
pedaço!

– Nós quem, cara pálida? Que eu saiba você está pretendendo que eu lute, logo, se eu
ganhar, eu serei o maioral, não concordas?

– Claro, claro… eu serei apenas seu empresário…he, he

– Vamos acabar com esse negócio? Eu não quero lutar com ninguém, só quero voltar
para minha casa e para minha dona, capitte?

– Capitte? O que isso quer dizer?

– Isso é italiano e quer dizer “entendeu”.

– Ah, entendi… vamos dar uma volta por aí e aproveitar melhor nosso dia?
Os dois saíram em animado bate-papo subindo pela rua que passa por trás do museu,
indo em direção a entrada principal do parque.

Sexta-feira:

Tattoo dormia tranqüilo quando acordou com um grito:

– Olha lá! Um cãozinho!

Tattoo abriu os olhos e viu uma menininha correndo em sua direção. Balançou a cabeça
tentando enxergar melhor aquela criança, mas não a reconheceu como sua dona. A
menina chegou perto dele e falou de forma alegre:

– Oi, amiguinho, tudo bem?

A menininha passou-lhe a mão pela cabeça fazendo um carinho e Tattoo ficou
encantado com sua gentileza. A menina pegou uma bolinha e jogou-a para longe
dizendo para Tattoo:

– Vai, amigo, pega a bolinha!

Mas Tattoo ainda não havia despertado totalmente e sua barriga, roncando, denunciava
que ele estava faminto, pois ainda não havia tomado o café da manhã. Ele se levantou
preguiçosamente e deu dois latidos para a menina e saiu em direção ao local onde o
velhinho deixava a sua porção diária de ração.

A menininha correu atrás dele e chegaram quase juntos ao local justo no momento em
que o velhinho chegava.

– Olá, meu amigo malhado, como vai? Tudo bem com você? Está com fome? Venha, eu
lhe trouxe uma comidinha bem gostosa.

Enquanto falava com Tattoo, o velhinho colocava uma porção de ração em um pratinho
e água em outro. A menina ao ver o velhinho alimentar Tattoo indagou:

– Esse cachorro é seu?

– Não! Eu apenas trago água e comida para os animais que são abandonados no parque.

– Então esse não tem dono?

– Eu creio que não.

– Então posso ficar com ele?

– Eu creio que sim, mas acho melhor você conversar sobre isso com seus pais. Eles
gostam de cachorro?

– Sim, gostam muito.

– E você mora em casa ou apartamento?

– Moro em apartamento, por que?

– Porque um cão precisa de espaço e requer muitos cuidados.

– Como assim, “cuidados”?

– Você, ou seus pais, têm que o levar para passear diariamente, dar banho, colocar água
e comida, levar ao veterinário regularmente, enfim, uma série de coisas que você tem
que falar com eles para saber se pode ou não levar um animal para casa… e depois tem
que saber se o nosso amiguinho aí vai querer ir com você.

Tattoo a tudo ouvia enquanto comia. Não, ele não iria para nenhuma outra casa que não
fosse a da menina Kamille. Ao ter que ir para outra casa, preferia ficar no parque, ali ele
já se sentia em casa. Acabou de comer, bebeu um pouco de água e saiu andando em
direção ao lago pensando em lá encontrar seu agora amigo Bichano.

Ao chegar ao lago, viu que o gato não estava por lá. Deitou-se perto de uma árvore e viu
a mesma menina se aproximando. Ela era morena, com cabelos compridos e nariz
arrebitado. Estava com um vestido cor-de- rosa com flores brancas e descalça.
Aproximou-se de Tattoo e sentou-se a seu lado.

– Você me deu uma canseira danada, meu amiguinho. Corri muito até aqui e quase caí
subindo a ladeira. Olha só, tenho uma proposta para você: vamos brincar e quando eu
for embora eu falo com meus pais para ficar com você. Se eles concordarem você
poderá ir morar comigo, que tal?

Tattoo latiu para ela concordando com a proposta e levantando-se, pegou um pequeno
galho de árvore e o deixou aos pés da menina, que entendeu que ele queria brincar. A
menina pegou o galho e o arremessou longe. Tattoo saiu correndo para pegá-lo e o
trouxe novamente para a menina.

O dia transcorreu cheio de brincadeiras para os dois. Tattoo foi se afeiçoando a menina
e em certos momentos até achou que seria legal morar com ela. Subiram e desceram
varias vezes os gramados que margeiam o museu, correram atrás dos patos perto do
lago, lancharam e até chuparam picolé. Ao fim da tarde a menina ouviu sua mãe lhe
chamar para ir embora. Tattoo se aproximou da menina, fez um afago em sua perna e
foi embora para o local onde dormia. O parque ainda estava cheio e a menina Kamille
ainda podia vir lhe buscar.

Sábado:

Tattoo abriu um olho de cada vez. O céu estava claro, com poucas nuvens. Tudo
indicava que seria um lindo dia de sol e o parque ficaria repleto de crianças. Hoje está
fazendo sete dias que ele havia sido deixado no parque e a saudade da menina Kamille
fazia com que esses dias parecessem uma eternidade. Ali não era não ruim. Havia feito
amigos, tinha sempre alguém para trazer comida e água fresca, mas faltavam aqueles
olhinhos lindos e aquela voz fininha de criança a lhe chamar para brincar. Tattoo havia
colocado todas as suas expectativas naquele dia, pois era o primeiro dia do final de
semana e eles poderiam retornar. Mas, e se eles não voltarem? Não, eles voltariam. A
menina Kamille não o deixaria no parque para sempre.

– Ahá! Você está aí!

Bichano chegara de mansinho para tentar surpreender Tattoo e quase conseguira, mas
Tattoo sequer mexeu as orelhas com o grito do gato. Olhou para ele como se estivesse
vendo um prato de ração após passar o dia inteiro comendo, ou seja, enfastiado. O gato
começou a saltar de um ponto para outro na vã tentativa de mexer com o cão, mas ele
continuava impassível.

– Como é que é, seu cão manhoso? Vai ou não, se levantar? Se demorarmos muito para
ir comer, quando chegarmos lá os gansos poderão ter comigo tudo.

Tattoo virou-se de um lado para o outro, esticou as pernas e calmamente começou a
lamber as patas. Vendo que o gato ficava cada vez mais impaciente resolver falar:

– Sabe que dia é hoje, gato gorducho?

Bichano respondeu sem atentar para o adjetivo que Tattoo lhe aplicara.

– Hoje é dia de comer, correr, namorar, passear, comer, passear, namorar, comer e…
dormir.

– Gato preguiçoso! Você só pensa em comer e dormir?

– Namorar, também.

Bichano respondeu sorrindo, para em seguida perguntar:

– Que bicho te mordeu hoje, meu camarada?

– Hoje faz sete dias que minha dona me esqueceu aqui…

– Esqueceu, não, meu camarada! Vamos falar a verdade verdadeira, sem floreios: você
se mandou para o outro lado do parque e esqueceu a hora de ir embora. Seus donos
provavelmente ficaram aqui lhe chamando, gritando e você faceiramente estava atrás de
alguma cadelinha vira-lata, não foi mesmo?

– Isso agora não tem a menor importância. Hoje é sábado e eles poderão vir aqui me
buscar.

– Olha, eu não quero ser pessimista, não, mas… e se eles não voltarem, e se pegaram
outro cão para criar… você está apostando de mais nessa volta e é bom ficar preparado
para o caso de eles não voltarem.

– Eles vão voltar.

Dizendo isso, Tattoo se levantou e começou a caminhar em direção ao local onde
deixavam a ração sendo seguido por Bichano. Tattoo caminhava tentando se convencer
que os receios de Bichano eram infundados. Seus donos retornariam ao parque para lhe
buscar e seria hoje.

Após comerem e saciarem a sede, os dois caminharam em direção ao estacionamento
que fica próximo ao portão principal, mas àquela hora somente as pessoas que faziam
exercícios físicos estavam presentes no parque. Bichano chamou Tattoo para irem até a
área onde ficavam as avestruzes e cervos. Ali, sempre tinha uma comida diferente,
pessoas diferentes e, também, muitas crianças, mas o cão se recusou a ir a qualquer
outro lugar e voltou para o local onde tinha estado com a menina Kamille pela última
vez.

Já passava do meio-dia quando Bichano retornou de seu passeio e encontrou Tattoo
deitado no mesmo lugar, com os olhos fechados e foi logo perguntando:

– Então, alguma novidade?

– Você está vendo alguma novidade aqui?

– Ei, calma aí, meu camarada! Não tenho nenhuma culpa se você foi deixado aqui. Você
está sendo muito ingrato comigo.

– Você tem razão, me desculpe. Já ouvi vozes de tantas crianças, mas a voz de minha
dona eu não ouvi.

– Olha só, cara, ainda é cedo… eles ainda podem vir…

– Sei não… acho que você tem razão… talvez eles já tenham comprado outro cachorro e
terei que ficar aqui para sempre.

– Ficar aqui para sempre não é tão ruim… nós poderemos ficar sempre juntos, um
ajudando ao outro, fazendo companhia…

Tattoo voltara a fechar os olhos e a sonhar com a menina Kamille correndo em sua
direção, gritando seu nome.

– Tattoo, Tattoo, é você meu amiguinho!

Ele corria em sua direção, lhe derrubava no chão e fazia festa para todos. A menina
Kamille lhe abraçava e rolavam pela grama, felizes.

– Tattoo, Tattoo!

Epa! Não estava sonhando, conhecia aquela voz. Tattoo abriu os olhos e viu a menina
Kamille correndo de braços abertos em sua direção. Ele se levantou e começou a abanar
o rabo e a latir.

– Bichano! Ela veio! Ela veio!

Tattoo saiu correndo ao encontro da menina e de seus pais. Latia sem parar e pulava
sobre os pais da menina numa felicidade incontida.

– Tattoo, como senti sua falta meu amiguinho. Manú! Olha aqui! Eu encontrei o Tattoo!
A menina Kamille mostrava Tattoo para sua amiguinha Manuela e as duas começaram a
brincar com o cão. De longe, assistindo a tudo, Bichano achava graça da felicidade de
seu amigo e pensou em como seria bom se também tivesse um lar onde pudesse ser tão
querido. Tattoo, ao ver seu amigo distante, chamou-o para brincarem juntos, mas
Bichano não se animou. Tattoo, então, levou as meninas para brincarem com Bichano e
ora um corria atrás do outro, ora eles corriam atrás das meninas.

Já estavam brincando há bastante tempo quando os pais das meninas as chamaram para
ir embora:

– Vamos embora meninas?

Foi então que a menina Manú pediu a seu pai para levar o gato para casa, dizendo que
ele era muito fofinho e que estava apaixonada por aquele gatinho charmoso. O pai de
Manú consentiu e ela, feliz, foi pegar o gato para levar consigo.

– Você vai morar comigo, gatinho. Você é muito lindo e será muito feliz na minha casa.
Agora que sou sua dona, vou lhe dar um nome. Deixe-me ver…hum… já sei! Janjão!
Você vai se chamar Janjão.

A tarde começava a fugir por trás das montanhas quando Tattoo partiu de volta para
casa com Kamille e Bichano, que passou a ser chamado de Janjão, partiu em direção ao
seu novo lar no colo de sua dona.

TOC TOC E ROI ROI ROI

O martelo Toc Toc e o serrote Roi Roi Roi vivem no sitio do Nhô Serafim. Toc Toc tem
o cabo amarelo com uma lista vermelha e Roi Roi Roi tem, também, o cabo amarelo.
Nhô Serafim, sempre que termina de trabalhar com eles, os coloca numa grande placa de
madeira pregada na parede da garagem do trator, onde existem suportes para todas as
ferramentas do sitio.

Roi Roi Roi e Toc Toc são ferramentas muito úteis no sitio. Roi Roi Roi ajuda no corte
de arvores para fazer cerca, estábulo, paiol, mesas, cadeiras e tudo mais que for possível
fazer com a madeira.

Toc Toc ajuda no martelar e na retirada dos pregos, no fincar das estacas, na fixação das
cercas e na quebra dos côcos retirados do pomar.

Os dois gostam muito de trabalhar em conjunto e adoram quando são pegos pelo Nhô
Serafim, pois sabem que sempre irão ajudar a fazer algo de muito útil para o sitio.

Mas o que eles gostam mesmo é quando Nhô Serafim, no final do dia, começa a trabalhar
fabricando brinquedos de madeira para o menino Matheus, seu netinho. Com caprichosa
paciência ele vai construindo os mais variados e divertidos brinquedos: carro, pião,
trenzinho, cavalo-de- pau e até uma jangada, daquelas utilizadas pelos pescadores para
enfrentar o mar.

Quando o menino Matheus visita seu avô, para eles é a maior diversão. Isso porque o
menino pede ao seu avô que o deixe brincar de construtor e coloca Toc Toc e Roi Roi Roi
na sua caixinha de ferramentas.

Nhô Serafim sempre acompanha o menino Matheus nas suas brincadeiras para que ele
não se machuque brincando, mas Toc Toc e Roi Roi Roi somente são utilizados pelo
Vôvo. Eles fazem caixinhas, cadeiras e mesinhas, o que deixa o menino Matheus
extremamente feliz.

Quando terminam de brincar, Toc Toc e Roi Roi Roi voltam para seus lugares na placa
de ferramentas e ficam esperando ansiosos o retorno do menino Matheus para novas e
divertidas brincadeiras.

Janjão – O Gato Preguiçoso

Para Manú

A menina colocou a comida do gato em um pratinho. Provou com a ponta do dedo e fez
cara de quem gostou. Pegou o pratinho e o colocou no chão, próximo a pia da cozinha.
A mãe estava agitada porque pressentia que iria chegar atrasada ao trabalho mais uma
vez:

– Manú, já colocou a comida do gato?

– Sim, mamãe.

Com todo cuidado ela arrumou o pratinho sobre um pedaço de jornal. Sabia que o gato
era um tanto desajeitado e brincalhão e que sempre deixava cair um pouco de comida no
piso da cozinha, o que deixava sua mãe extremamente irritada.

– Manú, eu já estou indo. Pegue a sua mochila e vamos embora?

A menina então chamou o gato.

– Psiu, psiu, psiu… Gatinho… Vem comer…

Janjão, esse é o nome do gato, virou-se lentamente para a menina e abriu os olhos com
enorme sacrifício. Esticou as pernas, rodou a cabeça e começou a lamber o peito. A
menina vendo aquilo apressou o gato:

– Janjão, vem aqui seu gato preguiçoso!

O gato fechou os olhos e virou-se para o outro lado, ignorando completamente os apelos
da menina que foi até a sala e o sacudiu levemente. Ele se levantou, andou alguns
passos e deitou-se novamente. A mãe da menina, perdendo completamente a paciência,
falou:

– Manú, deixa esse gato aí! Quando ele tiver fome ele vai comer! Vamos embora se não
você vai perder o lanchinho da manhã na escola.

Ah, isso, não. Não iria ficar com fome até a hora do almoço por causa do Janjão.

– Estou indo! Tchau Janjão. Coma e descanse bastante.

O gato não lhe deu a mínima atenção. Continuou cochilando até ser despertado por um
barulhinho.

– “Ih, cara, acho que estou com fome… minha barriga esta roncando pra caramba!”

Pensou isto e abriu a boca num enorme bocejo, mostrando seus dentes afiados e a língua
muito vermelha, mas a preguiça era tanta que ele limitou-se a olhar para o pratinho com
a comida e voltou a fechar os olhos em mais um cochilo.

Passado algum tempo, o gato voltou a ser incomodado pelo seu estomago. Sua barriga
agora roncava mais alto. Ele abriu os olhos, espreguiçou-se e ficou olhando o pratinho
de comida como que querendo puxá-lo com a força do olhar. De repente ele viu um
ratinho cruzar a porta carregando um pedacinho de sua comida. Ele achou que estava
sonhando. Imagina, um rato na casa… Seria um desrespeito completo à sua autoridade!
E assim pensando cochilou mais uma vez…

Um barulho de patinha sobre papel lhe acordou novamente. Ele sentia a garganta seca e
o estômago cada vez mais vazio, mas seu corpo lhe pedia para ficar deitado. Ele esticou
as pernas, passou a língua pelos bigodes e ficou com os olhos semi-serrados. Estava
assim, indagando-se, intimamente, se já era hora de se levantar quando viu dois ratinhos
carregando pedacinhos de sua comida. Êpa! A coisa estava ficando séria… não, não
poderia haver ratos naquela casa pois ela contava com um valoroso caçador de ratos, o
gato mais temido da região. Rato algum se atreveria a entrar em sua casa.
Provavelmente estava sonhando… e assim pensando rolou para o outro lado e fechou
novamente os olhos num leve cochilo.

Hum… estava escutando um barulho. Snif, snif, snif… pelo cheiro devia ser rato. Ho, ho,
ho, o dia estava quente e sua fome lhe trazia o cheirinho de comida, mas espera aí! Ele
não comia ratos, apenas os caçava. Gostava mesmo era daquela comidinha que vinha
naquela latinha maravilhosa… sua boca se encheu de água ao pensar naquela comidinha
com sabor de atum fresco. Então, se não estava caçando ratos e estava deitado em seu
tapete preferido, é lógico que estava em casa. Então ele abriu os olhos e viu três ratinhos
carregando um pouco de sua comida.

Há, há, há, seria engraçado mesmo se um rato resolvesse desafiá-lo em sua própria casa
e comer o seu almoço, imagina três… não, nenhum rato cometeria tal sandice, seria
morte certa, ele era um gato famoso na região conhecido como o mais esperto caçador
de ratos daquelas bandas…não, estava vendo coisas… a fome estava lhe pregando uma
peça para que ele se levantasse e fosse até a cozinha… não, não, não… a fome não
domina um gato, um gato é senhor dos seus sentidos e o seu sentido mais importante lhe
dizia que era para ficar um pouco mais deitado, descansando o corpo para os passeios
noturnos.

Agora sua barriga lhe doía. Abriu os olhos, decidido a se levantar. Começou a lamber os
olhos… um gato devia estar sempre limpo e ele, charmoso, pêlo macio e bigodes
imensos não deveria se descuidar. Ah, mas o dia estava tão quente e ele se sentia tão
cansado… e assim pensando esticou as patas e depois começou a lambê-las
pacientemente… puxa vida! Que sonho mais estranho tivera. Que coisa de maluco! Três
ratos invadindo seu território e levando partes de sua comida… é… fora um sonho muito
doido mesmo. E assim pensando rolou para o outro lado e ficou admirando um raio de
sol que entrava por uma das janelas do corredor que ligava a sala de jantar à cozinha.
Esse solzinho da manhã é uma maravilha… seria bom se ele brincasse um pouco de
passar seu corpo através dessa luzinha, mas a noite fora muito boa e agora estava
ficando muito quente e com calor não há nada melhor do que ficar deitado esperando a
menina Manú trazer sua comidinha… oh, céus! Havia esquecido! A menina deixara sua
comida na cozinha e ela devia estar no pratinho, suculenta, lhe esperando. Mal acabou
de ter esse pensamento e se virou para olhar a porta que ligava o corredor à cozinha… e
viu quatro ratos levando pedaços de sua comida. Ahã! Não era sonho! A casa estava
mesmo sendo atacada por ratos. Como ousavam? Não havia mais respeito por um
grande caçador, como ele? Isso só podia ser coisa daquele nojentinho do Frederico,
aquele gato bobão da casa vermelha… sim, aposto como ele fez acordo com esses ratos
para não comê-los em troca de virem me o perturbar, sim, porque ele come ratos, argh!
Que nojo! Sim, somente isso explicaria ele estar vendo quatro ratos dentro de sua casa,
roubando a sua comida. É… estava na hora de mostrar quem é que manda no pedaço…
hi, hi, hi, que loucura… esse calor forte está lhe afetando os miolos… nenhum rato se
atreveria a encarar a sua ira felina… que bobagem… e assim pensando Janjão fechou os
olhos e voltou a cochilar.

O sol devia estar lá no alto… já devia ser meio-dia… sim, agora era hora de levantar e ir
degustar o seu prato preferido: atum ao molho de tomate! Que delícia! Mais uma vez
esticou suas patas, rodou a cabeça e disse para si mesmo: “Vai garoto, seu gato
gostosão!”, coçou a barriga e se assustou a ver que estava muito murcha. É… precisava
comer e já! E assim pensando virou-se para o lado da cozinha, se preparando para
levantar-se… quando viu cinco ratos passando pela porta levando pedaços de sua
comida. Instintivamente ele se levantou e disparou em direção a cozinha. Quando
chegou, viu o último dos ratos passando por debaixo da porta. Tentou pegar seu rabo
com a pata, mas não obteve sucesso. O rato escapara. “Tudo bem”, pensou em seguida,
“vou comer minha comida e esperar que eles voltem para pegar mais, aí, eu os pego
com a boca na botija.” E assim pensando virou-se para o lugar onde estava o pratinho
com sua comida e ficou paralisado. Os ratos haviam comido toda a sua comidinha.
Desesperado correu até a lixeira para ver se ainda tinha alguma coisa na lata e viu que
ela estava limpinha. “Malditos ratos!”, pensou, “comeram toda a minha comida!”

Janjão, agora, estava numa situação difícil: não tinha mais comida e nem podia sair para
procurar alguma coisa pelas redondezas porque a casa estava toda fechada. É… sua
preguiça fora fatal… de que adiantava agora estar descansado se não tinha comida e nem
como sair… realmente a preguiça não é boa companheira… e pensando assim, Janjão
voltou para seu tapetinho e procurou dormir para tentar enganar a fome enquanto
esperaria a menina Manú chegar e colocar mais atum com molho de tomate em seu
pratinho.

A menina que queria prender o sol

Beatriz é uma menina muito espevitada. Tem quatro anos, mas gostaria de ser adulta.
Quando perguntada o por quê desse desejo, responde que adulto pode tudo, inclusive ver
televisão até de manhã. Não adianta explicar que adulto tem insônia e que às vezes ver
televisão na madrugada ajuda passar o tempo. Ela retruca que o tempo não pode passar,
pois tem muita coisa para fazer, inclusive brincar.

Bia, como Beatriz é mais conhecida, gosta muito de desenhar e pintar. Não necessariamente
nesta ordem, mas a qualquer hora do dia… ou da noite. Ela é um pinguinho de gente,
magrinha com cabelos negros e escorridos que às vezes lhe cobrem os olhos de menina
sapeca. Faltou dizer que Bia também chora por quase nada. Nada? Para ela é quase tudo.

Semana passada Bia dormia em seu quarto, ainda de manhã, quando um raio de sol
começou a brincar com seus olhos. Sonolenta ela os cobriu para fugir do sol e continuar a
dormir, mas o raio de sol penetrou por uma fenda da coberta e iluminou os seus olhos. Ela
então, os cobriu com as mãos, mas esqueceu-se de fechar os dedos e o raio de sol continuou
iluminando seus olhos. Então, ela se virou de bruços para fugir do insistente raio de sol
cobrindo-se totalmente. Quando se descobriu, percebeu que o raio de sol agora iluminava
sua cama. Bia teve uma grande ideia: pegaria o raio de sol e o guardaria dentro de uma de
suas inúmeras caixas de brinquedo. Quando botou a mão em cima do raio de sol viu que ele
ficou por cima de sua mão. Intrigada tentou cobrir o raio de sol com a outra mão, mas ele
também ficou por cima de sua outra mão.

“Caraca! Esse sol é muito esperto! Como vou prender esse solzinho?” – perguntou-se
Beatriz.

Olhando em volta de seu quarto procurou alguma coisa que pudesse lhe servir para
aprisionar aquele teimoso raio de sol, mas tudo que usava não conseguia prendê-lo. O que
também estava deixando Beatriz irritada era o fato de que o raio de sol, com o passar do
tempo, mudava de lugar e agora já estava sobre o seu tapete de borracha vermelho. Ela
pensou em chamar sua mãe, mas lembrou-se de que ela sempre lhe dizia que já era uma
mocinha e que não podia mais chorar à toa e, se era assim, ela com certeza também poderia
prender aquele simples raiozinho de sol.

“Tenho que prender esse solzinho em algum lugar antes que mamãe venha me acordar. Se
ela entrar aqui e encontrar esse sol como vou dizer que ainda é muito cedo para me
levantar?” – pensou Beatriz.

Bia tentou prender o sol com um saco, com uma colcha, com uma luva, um casaco, um
caderno, um prendedor de cabelo, uma revista, uma sandália e até com seu roupão, mas
nada conseguia aprisionar o raio de sol.

“Beatriz!”, ela ouviu a voz de sua mãe lhe chamando.

“Estou perdida! Quando ela entrar e encontrar esse solzinho não terei como ficar na cama
um pouco mais…”, pensou Beatriz.

De repente sua mãe entrou no quarto e foi então que o milagre aconteceu: uma nuvem
enorme ficou em frente à janela de seu quarto, aprisionando o raio de sol.

“Ufa!”, pensou Beatriz, “Estou salva.”

“Minha filha, o que você está fazendo fora da cama? Ainda está com soninho?”

Beatriz fez que sim com a cabeça, então sua mãe falou:

“Hoje é sábado e não tem escola. Você pode dormir mais um pouquinho.”

Beatriz ficou feliz com a notícia. Olhando para a janela onde a nuvem começava a soltar os
raios de sol, disse para sua mãe:

“Está um lindo dia e eu quero me levantar cedo para brincar muito!”.