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Muro verde

Vi na televisão que o cerrado costuma ser consumido por incêndios na temporada das chuvas quando os raios caem na mata e o fogo se alastra sem controle. Fora desse período, se tem fogo é porque algum turista desavisado provocou. É estranha essa determinação do homem em destruir a natureza.

Estamos acompanhando, desde a semana passada, essa batalha que os moradores que habitam o entorno do Colégio Baptista Sheppard na Tijuca estão travando contra o um Fundo Imobiliário. O colégio vendeu uma parte de seu terreno, uma mata que margeia a Floresta da Tijuca e na qual habitam papagaios, tucanos, macacos-pregos, tamanduás, gambás, entre outros animais, para um Fundo de Investimentos construir um condomínio e, com isso, estão destruindo a mata.

Olho para a Floresta da Tijuca todos os dias. Um imenso muro verde que foi reconstruído pela graça do Imperador Pedro II que mandou recuperar as nascentes destruídas pelo cultivo do café naquela região. Viver no Rio de Janeiro é um privilégio para poucos. É claro que temos nossas mazelas, os problemas sociais que se avolumam sem solução, o morro e o asfalto separados por um fosso cada vez mais largo. Mas, acredito, são pouquíssimas cidades em que você pode sair da praia e em menos de meia hora se banhar numa cachoeira. Essa exuberância da natureza, é o que o Rio tem de melhor.

Então não se vai mais construir moradias? Esse argumento de alguns interessados não se sustenta, uma vez que o propósito do fundo de investimentos é construir um condomínio de alto valor, que será justificado, justamente, pela proximidade da Floresta da Tijuca, e não casas populares. Estranho paradoxo. Para vender a natureza, antes a destroem. Os empreendedores alegam que irão plantar trocentas árvores e que fizeram um plano de manejo, mas onde antes havia árvores, haverá prédios, centros de lazer, ciclovias. Os animais serão banidos e terão que disputar espaço no que sobrar de floresta.

Você poderá, novamente, argumentar que é uma pequena parte de mata e que não irá fazer diferença porque a floresta que está dentro do Parque Nacional está protegida. Mas alerto novamente para a estranha determinação que o ser humano tem para destruir a natureza, e desta vez, não temos mais o Imperador.

De papo pro ar

Acordo de manhãzinha com o canto matutino de um galo cego.Minha janela se abre para o mato onde um estreito caminho me levará ao rio. Saio pro quintal espantando o sono… molho o rosto com a água fria que jorra de uma bica de bambu. Água boa de nascente pura, escondida no arvoredo. Ouço cantar de pássaros, piá de pinto com fome, arrulhar de pombo. Um cheiro de café sendo torrado me invade as narinas. O sol pega as folhas mais altas e sapeca nelas seu brilho. Hoje vai ser dia quente… Não tem vento e vejo um bem-te-vi pousar na ponta de um moirão… Pego meu caniço, o enxadão… coloco umas bolachas de sal numa bolsa à tira-colo e pego a direção do rio. Meus pés conhecem o caminho.

A botina vai ficando molhada com o orvalho deitado nos arbustos e capinzal. No fim da trilha passa a linha do trem e eu, que me via na porta deixando o vento brincar com meus cabelos, passando por um campo de girassóis, equilibro-me no trilho igual a um passarinho nas pontas dos galhos do pé de jamelão. Não vou até o fim da linha… Nem sei onde ela vai dar. Só quero chegar até a Ponte Velha. É embaixo dela, entre as pedras, que gosto de pescar. Tem loca de traíras, bagres e mandis. Ali perto tem terra fofa, úmida, onde as minhocas, grandes e lustrosas, gostam de ficar. É lá que vou passar o dia… esperando um peixe graúdo e comendo bolachas de sal.

Mais tarde vou até o sítio do Nego. Tem pomar abandonado… É tempo de jaca e o cheiro adocicado fruta madura me enche a boca de água. No fim da tarde vou até a Mãe Joana, uma figueira enorme que tombou sobre o leito do rio e vou mergulhar na boca do lobo, poço matreiro no fim de uma corredeira conhecida por véu de noiva.

No fim do dia vou voltar para minha casinha. Não volto pela linha do trem… gosto de ir pela trilha do ouro, com os pés descalços que nem os escravos faziam antigamente. Sinto o cheiro do abiu, amarelo, suculento que o coleiro esperto deixou vazando o sumo para atrair os insetos. Chego na cerca da Fazenda do Antero. Afasto o arame farpado para poder passar sem me arranhar. Vou pensando em frigideira, farinha e óleo quente. Quero fazer uma farofa misturando essa traíra e essa meia dúzia de mandis. Vou chamar Mariazinha, minha irmã mais pequenina, Vamos sentar na cozinha, perto do fogão de lenha, num tronco de eucalipto que nos aceita por cima. Mãe fará refresco com maracujás que colhi na cerca de dona Lulu. Vou pegar minha viola e sentar numa rede esgarçada que me espera no alpendre.

A moda que fiz pra ti virá como a noite calma que traz nas palmas das mãos o som dos bichos no mato. Sentirei saudade da tua boca, mesmo sem nunca a ter beijado, pedirei a Deus que me liberte desse corpo pequenino e me dê um par de asas. que me leve ao teu castelo para sentir teu perfume e adormecer no teu colo como se eu fosse um menino que sonha em ser gente grande, ou um adulto que agilmente recolherá os beijos que caírem da tua boca quando tu te distraíres pulando em sonho a espuma branca das ondas que te alcança na beira do mar.  

Mãe, todo mundo tem

Mãe todo mundo tem, mas ninguém tem igual a minha. Caraca! Minha mãe é demais! Sei que na Tv aparecem umas mães lindas pedindo e recebendo presentes, mas a minha mãe é mais bonita porque ela é real e as outras são de mentira.

Desde que me lembro de alguma coisa tudo está sempre relacionado com a minha mãe: ela me dando banho, fazendo café, de levando para passear, me mostrando orgulhosa pra todo mundo…

Lembro também dela me dizendo sempre “Não!”: não pode mexer, não pode comer, não pode botar na boca. O “sai” também é uma palavra que a minha mãe usa muito: sai daí, sai daqui, sai de cima do muro, sai de cima da árvore, sai da rua…outra palavra que não gosto e minha mãe diz muito, e creio que as outras também, é “vem”, principalmente se ela vem acompanhada de outra, também, “cavernosa”: banho. Não sei por que a gente tem que tomar banho se vai se sujar de novo!

Ter mãe é tudo de bom. Dormir na cama dela, chorar no colo dela, passar as mãos nos seus cabelos penteando seus sonhos…

Sempre ouvir dizer que uma mãe quer o melhor para seus filhos e eu quero o melhor para a minha mãe. Dizem que uma pessoa na América criou o dia da Mãe. Dizem que foi para vender presentes, que o dia da mãe é todo dia, mas eu acho legal ter um dia todo pra nossa mãe e que nesse dia ela sinta que nós, os filhos, a amamos e que seremos sempre filhos, não importa se temos um dia de vida ou noventa anos.

O meu amor pela minha mãe é sinistro, é dez, é irado, é demais.

Mãe, eu te amo!

O craque e a bola

O futebol é um encontro de apaixonados. A bola, admirada e acompanhada com olhos atentos por milhares de torcedores, às vezes, pende caprichosa nos pés e nas cabeças daqueles que sabem lhe valorizar e corre para se aninhar nos fundos das redes, fugindo de goleiros impiedosos que teimam em negar-lhe o regaço do gol.

A bola conhece o craque, sabe da sua intimidade, compartilha dos seus desejos. Se ele, então, fez sacrifícios para estar com ela no momento sublime de uma Copa do Mundo, ela o procura, seja pelo alto, seja correndo junto à grama, açucarada, pedindo para ser empurrada para as redes.

Diante dos olhos atentos da torcida, o craque e a bola realizam a magia que enche os corações de alegria. O lançamento de trivela que faz a bola partir da intermediária cruzar o grande circulo do gramado e pousar suavemente nos pés do atacante, ficará retido na memória e será comentado pela eternidade, e quando perguntarem quem lançou e quem marcou o gol, todos dirão que foi o craque, em completa simbiose com a bola.

Houve um tempo em que camisa ganhava jogo

Houve um tempo em que camisa ganhava jogo. Nesta Copa, como diria o “professor” Luxemburgo, não tem mais ninguém bobo. A Itália entrou em campo com seu corte perfeito e porte de campeões e saíram de campo destroçados pela determinação da jovem Costa Rica. Balotelli queria um beijo da rainha da Inglaterra. Levou para casa um gol de Bryan James.

Estamos vendo uma superioridade indiscutível das seleções das Américas. Duas seleções europeias já garantiram seu retorno mais cedo para casa. Alguns dizem que é o fim do futebol de resultado. Eu digo que é o ressurgimento do futebol mágico temperado com a determinação daqueles que querem fazer história.

Temos sido presenteados com jogos de indiscutível qualidade, poucas faltas e muita bola rolando. A torcida, multicolorida, multirracial e intercontinental, transforma as arquibancadas em salões de festa onde os torcedores cantam, dançam e se encantam com a melhor Copa do País do Futebol.

Terra de todos os gols

Terra de todos os santos. Terra de todos os encantos. Uma fonte nova jorra gols aos borbotões inundando de alegria a torcida nas arquibancadas. Nem os mais crédulos acreditariam que essa seria a Copa das goleadas.

Os olhares atentos seguem a corrida fatal dos artilheiros em direção à meta adversária. Os corpos ficam em pé, os corações palpitam antevendo o arremate fatal que fará a bola se alojar nos fundos das redes e as bocas se escancararem em gritos de gol.

São tantos os abraços e tantas as comemorações que muitas vezes o torcedor só encontra descanso durante a “ola”, a onda vertiginosa que não se sabe aonde começa nem aonde termina, mas que propicia ao espectador atento um fugaz intervalo entre uma comemoração e outra.

Peçamos aos deuses da Bahia que o futebol praticado nessa Copa continue com essa busca incessante pela vitória, de preferência com muitos gols.

Desafiando o impossível

Não sabendo que era impossível foram lá e fizeram. Essa frase de autoajuda reflete o desassombro com que algumas seleções, ditas sem tradição, estão incomodando as grandes pretendentes ao título. Os jogadores dessas equipes parecem não conhecerem quem está do outro lado do campo. Jogam como se fossem os donos da casa e cobrem-se da glória destinada aos grandes heróis.

Do outro lado, seleções tidas como certas na sequencia da competição estão voltando para casa com o orgulho ferido. Alguns podem dizer que subestimaram os adversários, outros dirão que não souberam avaliar o futebol que está sendo jogado nos quatros cantos do planeta, mas creio que apenas se esqueceram de tirar das malas o futebol que as fez candidatas a vencedoras dessa competição.

Até onde poderão ir a equipes que estão nos assombrando com o seu futebol alegre e objetivo não é possível prever, mas se continuarem a desafiar o impossível é certo que veremos uma delas nas quartas de final. O futebol agradece.

O jogo só acaba quando termina

Tudo pode acontecer em um minuto. Você pode ir do inferno ao paraíso ou ficar pelo meio do caminho. Para quem viu as portas abertas do aeroporto indicando o caminho para casa, uma sobrevida de alguns dias vale muito, mesmo que a classificação para a segunda fase seja muito remota.

Ao soar o apito final, vemos jogadores atônitos perambulando pelo gramado a procura de explicações para o gol sofrido no derradeiro minuto. Muitos se quedam perplexos olhando a torcida inconformada com o vacilo antes do apito final. Parecem não entender o que aconteceu e procuram as razões para o erro olhando para o infinito.

Espero que as derrotas e os empates vindos para aqueles que já eram íntimos da vitória sirvam de alertas para eles e para os outros. Como diz a máxima do futebol, o jogo só acaba quando termina.

Vencemos, mas não convencemos

Tento compartilhar da pretensa euforia que as emissoras de televisão propagam a vitória do Brasil à frente da fraca seleção de Camarões, mas não consigo. O jogo que vi foi xoxo, sem qualquer lance daquilo que nos acostumamos a chamar de bom futebol.

Talvez tenhamos mesmo que nos contentar com o que nos foi apresentado. Lançamentos da intermediária buscando os mágicos pés de Neymar ou a cabeça inconstante de Fred. Sem um lampejo sequer de criatividade no meio de campo, dependeremos da sorte, essa madrasta que tantas vezes nos fez ficar pelo meio do caminho.

Talvez sejamos eternamente órfãos do escrete de setenta e da magia da seleção de oitenta e dois. É difícil acreditar que esses mesmos jogadores que nos fizeram vibrar na Copa das Confederações possam agora nos deixar inseguros com o futuro da seleção, mas o fato é que eles ainda não nos deram uma vitória convincente, daquelas que possamos bater no peito e dizer a plenos pulmões: o campeão voltou!

Na falta de uma vitória maiúscula, temos que nos contentar com os sobressaltos provocados por uma defesa inconstante, mas somos brasileiros e não desistimos nunca. Torço para que, mesmo aos trancos e barrancos, nossa seleção possa estar presente no Maracanã na grande final e que nesse dia, os deuses do futebol olhem por nós.

Viva a diferença!

Ainda havia uma tênue possibilidade da Itália seguir na competição, mas o Uruguai encarregou-se de sepultá-las sem qualquer resquício de piedade. Ficamos sem a elegância de Balotelli e continuaremos a ver o Uruguai mordendo literalmente a bola e os jogadores adversários.

Um italiano descontente com eliminação prematura de sua seleção resolveu explicitar sua decepção com um único jogador, justamente aquele que representa a diversidade de seu país. Segundo esse torcedor, Mário Balotelli não é italiano por ser negro e não ter nascido na Itália, portanto, Balotelli, para ter sua cidadania plena, deveria ter operado o milagre de classificar seu país para as oitavas de final.

Balotelli mostrou que é elegante não somente usando seus ternos italianos ou correndo altivo dentro de campo. Disse ele que não escolheu ser italiano e que por isso mesmo, seu amor pela Itália é como o de qualquer pessoa nascida naquele país e sua cor de pele e sua origem não devem ser utilizadas como armas por quem quer demonstrar sua insatisfação.

Vou mais além. O amor pela pátria se confunde com o orgulho quando se tem a oportunidade de defender as cores da bandeira da terra que nos acolheu e na qual aprendemos a cultivar nossas raízes. É gratificante ver nesse mundial tantas seleções apresentarem a diversidade de seus povos tendo como base unicamente a capacidade técnica que as coloca como as melhores para entrarem em campo defendendo as cores de suas bandeiras.

Tanta diversidade e tanto desejo de sagrar-se campeão do mundo me dão a esperança que um dia a Argentina entre em campo com uma seleção composta de jogadores de todas as raças. Brancos, negros, amarelos e índios, todos lutando pela vitória da gloriosa equipe portenha.

Viva a diversidade! Viva a mistura das raças! Viva o futebol!