Acordei. Corpo suado, ofegante, trêmula, deitada no meio da rua, blusa rasgada, noite escura. Lembrei-me do cachorro. Seus latidos me fizeram levantar. Corri, descendo uma viela com o som cada vez mais perto. O sinal vermelho piscava para uma rua vazia, um gigante caolho mirando o infinito. Os latidos estavam mais próximos, dava para ouvir o animal arfando. Entrei em uma rua estreita e me deparei com o muro. A sombra do cão foi projetada na parede. Me virei a tempo de afastar seus caninos do meu pescoço. Acordei. Meus pés encharcados faziam um barulho engraçado quando os movimentava sobre o convés alagado do navio. Pessoas se esgueiravam entre as passagens carregando coletes salva-vidas, havia gritos de crianças e mulheres histéricas. Homens covardes se arremessavam aos botes diante de idosos aflitos. O navio adernava para a direita, os barcos tentavam fugir do rodamoinho. Sozinho na cabine, o comandante assistia a tudo fazendo continência para Netuno. O último bote caiu na água e não consegui embarcar. Me segurei nas grades tentando fugir das águas geladas. Uma onda mais forte me arrastou pelo convés. Bati com a cabeça em um móvel que flutuava à deriva. Meu sangue se misturava ao azul das águas. Apenas uma parte do navio ainda lutava contra seu destino. Sem alternativas, me lancei ao mar. Acordei.
Repetições
Deixe uma resposta