Nunca mais se esqueceria daquele maldito dia.
Diante dos túmulos da mulher e da filha, Pedro não se assustou com o estrondo do
trovão anunciando a tempestade. Não arredaria o pé dali, mesmo que o mundo
acabasse. Faria companhia às suas amadas pela eternidade. O azul intenso do
céu foi tomado pelas nuvens negras carregadas de chuva que insistiam em
expulsá-lo do cemitério São João Baptista, mas Pedro teimava em desafiar o
tempo naquele fim de tarde, na cidade do Rio de Janeiro.
As imagens de santos, misturadas a anjos, protegiam os túmulos de mármore
escuro, iluminadas pelo clarão dos raios que prenunciavam a tempestade. Pela
segunda vez na semana comparecia àquele lugar. Antes presenciara o enterro de
sua filha Luna, agora o de sua amada mulher, Madalena. Ao lado do túmulo,
recebeu os últimos cumprimentos, enquanto os presentes faziam o sinal da cruz
diante da sepultura e, compungidos, se encaminhavam para a saída do cemitério,
fugindo dos primeiros pingos que anunciavam o temporal.
Pedro tirou os óculos escuros e esfregou os olhos vermelhos. Dois buracos
secos no rosto, depois de vazarem toda água gerada pela dor. Ouviu súplicas para
fugir da chuva que se avizinhava, mas suas pernas não obedeciam. Pesadas,
enraizadas na terra, prendiam-no ali. Braços esticados rente ao corpo, ombros
caídos, cabeça pendente aproximando o queixo do peito. Não tinha coragem para
abandonar aqueles túmulos. A saudade dos carinhos da mulher em seu rosto era
imensa. Nunca mais teria em seus braços a filha querida, o amor de sua vida.
A família eram os três. A mulher e a filha se foram em pouco tempo. Agora, o
sentimento dentro de seu peito se alongava como visgo de jaca, prolongando seu
sofrimento.
— Meu filho, você tem que vir comigo — sussurrou sua mãe.
— Ainda não — disse Pedro acolhendo-a num longo abraço. — Chegando em
casa, deite-se, procure descansar.
A velha senhora se desvencilhou do abraço com delicadeza. Tentou afastar o
filho do jazigo, puxando-o pela mão. Irredutível, ele não arredava os pés do local.
— Não saio daqui sem você — disse-lhe a mãe.
— Não posso… vá… Gabriel te levará para casa. Ele te espera na saída. Se
apresse para não se molhar.
— Como posso ir, te deixando nesse martírio?
Pedro passou as mãos trêmulas pelos cabelos desalinhados da mãe. Fitou o
rosto dela, marcado pelos anos de sofrimento.
— Mãe, por favor, vá para casa. Tome um chá e procure descansar. Mais tarde
falo com você.
A mãe de Pedro saiu arrastando as pernas em direção à saída do cemitério.
Sozinho, ruminou seus pensamentos.
Cerrou os olhos invocando poderes que não tinha, para que tudo se
desfizesse. Daria a vida se pudesse ter Madalena por alguns instantes em seus
braços, lhe acariciar os cabelos e beijar os lábios sempre vermelhos. Abraçaria
Luna, beijaria seu rosto sempre rosado e lhe diria que a amaria enquanto existisse
o sol e que se culparia pelo resto de sua vida por não tê-la protegido do monstro
que a tirou de seus braços.
Um raio riscou o céu cinzento, clareando as imagens que guardavam os velhos
jazigos, dando-lhes um aspecto fantasmagórico. Pouco tempo depois, uma forte
trovoada tirou Pedro de seu transe hipnótico. Ele ajoelhou-se diante dos túmulos,
abriu os braços, pousando as mãos nas lápides, na esperança de ultrapassar a
pedra fria e tocar pela última vez os corpos da mulher e da filha.
A chuva desabou forte e caudalosa, levando a camada de poeira e fuligem das
sepulturas em direção ao bueiro. Pedro não procurou abrigo. Os grossos pingos
caíram sobre seu corpo, encharcando suas roupas.
Uma mão forte o resgatou do transe.
Pedro levantou o rosto. Um sujeito o olhava com ar pesaroso, tentando
equilibrar o guarda-chuva.
— Você tem que sair daqui — disse o sujeito. — O cemitério está fechando. Não
há mais nada que possa fazer pelas duas.